Greve dos professores: mais um dia!
A ditadura volta a Minas Gerais!
por Jose Luiz Quadros de Magalhães[1]
O
leitor deve estar pensando: a ditadura voltou? Mas, ela já não está aí
há muito tempo? Pois é, o título é só uma provocação, só para chamar
atenção. A ditadura já está em Minas Gerais há muito tempo, e o pior é
que os mesmos donos de jornais, rádios e redes de TV que se
autocensuram, que traem a democracia e os princípios constitucionais de
liberdade de expressão são os mesmos que “denunciam” a falta de
liberdade em outros países. Hipócritas. Há um problema recorrente
nestas pessoas no poder: falta espelho (eles só têm o espelho de
narciso). Sempre acusando os outros são incapazes de se perceberem como
violadores da Constituição, como violadores da Democracia, da
República e das leis. Estes são os piores bandidos (o fora-da-lei com
poder supostamente legal).
Existe
outra categoria de pessoas perigosas: os que cumprem ordens ilegais.
Não posso fazer nada, estou cumprindo ordens, dizem. Esquecem que não
estão obrigados a cumprir ordens ilegais ou flagrantemente
inconstitucionais. Basta um mínimo de conhecimento jurídico, ou para não
pedir muito, basta um mínimo de bom senso. Agredir pessoas é permitido
para os que estão fardados? Onde está escrito, em qual lei da
república (com letra minúscula, escondida e oprimida está a república
que de pública não tem nada), em qual Constituição está escrito que os
cidadãos, donos da República (com letra maiúscula, a República que
conquistaremos um dia) podem ser tratados pelos seus servidores como
lixo, como bandidos? Quem é o bandido nesta história?
E
nossas praças privatizadas? E os palácios? Já viram uma República com
tantos palácios? Para mim os palácios pertenciam à monarquia e deveriam
todos virarem museus públicos. Entretanto nossa república esta cheia
de palácios. Só o governador (?) tem três: um palácio de verão, um de
inverno (nas Mangabeiras) e um para despacho (eparrei). Acredito que
todos eles deveriam virar museus e espaços públicos recreativos. Nas
Mangabeiras poderíamos inclusive fazer um clube público, com piscinas
públicas como aquelas que encontramos em outros países mais
democráticos.
Que
patética cena: enquanto meia dúzia de autoridades (otorydadys –
conhecem esta espécie? Vem do gênero otorytatys sin nocyonis) fora do
mundo, protegidos por centenas de policiais (que deveriam, se agissem
de forma constitucional, proteger os cidadãos contra o governo
inconstitucional), festejam os bilhões de dólares que poucos vão lucrar
às custas dos espaços e dinheiros públicos investidos na Copa do Mundo.
As câmeras e os jornalistas das grandes rádios e televisões estavam no
lugar errado. Não deveriam estar filmando aquela festa podre, com
pessoas, algumas até muito suspeitas. Interessante episódio moderno:
centenas de policiais protegendo alguns suspeitos, alguns até
respondendo processo; outra centena de policiais atirando balas de
borracha e gás lacrimogêneo em pessoas desarmadas, trabalhadores,
professores, cidadãos; tudo isto para garantir uma festa realizada com
muito dinheiro público para permitir muito lucro privado, onde o povo, o
cidadão fica de fora: quantos poderão assistir a um jogo da copa do
mundo? Para estes poder o lugar do povo é em frente a TV. Pode ser que
os governos eleitos sorteiem junto com as grande empresas alguns
ingressos para os que permitem a festa com seu trabalho: todos nós que
trabalhamos.
Pergunto-me
diariamente: quando é que a ficha vai cair. Quando é que vamos
acordar, todos nós, que nunca somos convidados para a festa que a
polícia protege. Quando vamos cansar de apanhar da polícia que deveria
nos proteger. Será que as coisas já não estão suficientemente claras?
Governos eleitos com muita grana do financiamento privado de grandes
banqueiros mentem para nós antes das eleições. Não elegemos livremente
ninguém, isto não é uma democracia. Escolhemos a cada 4 anos o melhor
escritório de marketing. Essas pessoas no poder, na maioria dos casos
não nos representam (há exceções). Representam os seus próprios
interesses e os interesses daqueles que pagaram sua eleição. Quando vai
cair a ficha? A polícia que bate no povo e protege o patrimônio dos
ricos e as festas do poder, onde o povo está sempre de fora. Copa do
Mundo, Olimpíada, comemorações de grandes corporações (que sustentam a
mentira do nacionalismo moderno) onde assistimos vinte e dois
milionários correndo atrás da bola sem nenhum outro compromisso a não
ser com o sucesso pessoal, a vaidade e o dinheiro. Muito dinheiro. Tem
alguns que até choram. Eventos que comemoram e exaltam o melhor, o
corpo perfeito, a “performance” perfeita. Há muito que todos estão fora
desta festa. Não podemos participar. Somos todos imperfeitos, não
temos aquela saúde perfeita, aquele corpo perfeito, aquele patrocinador
perfeito. Somos trabalhadores e nosso corpo e mente estão marcados
pelo trabalho. Não temos tempo para a perfeição.
Quando
é que a ficha vai cair? Até quanto você vai ficar levando “porrada”?
Até quando você vai ficar financiando estas festas podres com gente
esquisita?
Filmem
tudo, tirem foto de tudo, escrevam, falem, não se conformem. Reclamem
seus direitos, exijam que os que têm poder econômico e político cumpram
a lei e respeitem a República. Processem. Processem. Processem. Toda
vez que forem agredidos pelo estado processem, fotografem, filmem.
Mandem os filmes e as fotos para todo o mundo saber que aqui em Minas
Gerais vivemos uma ditadura econômica, onde os cidadãos são
desrespeitados. Onde quem trabalha apanha do governo, é desrespeitado
pela polícia. Contem isto para o mundo inteiro, todo dia, toda hora.
Não acreditem que a história acabou. Não acreditem que não temos força,
que não podemos fazer qualquer coisa. A história está em nossas mãos,
mas para construirmos a história que desejamos é necessário sair de
frente da televisão e olhar para a vida, para o mundo. Podemos fazer
qualquer coisa, inclusive construir uma democracia constitucional
republicana, de verdade, real, em nosso país, onde os poderes públicos,
onde a polícia sirva ao povo e não às grandes empresas privadas. Mas
para isto temos que nos movimentar.
A
irracionalidade do sistema está visível, sua incoerência é gritante,
resta-nos mostrar diariamente tudo isto para todo mundo ver. O dia que
as pessoas tiverem percebido o óbvio tudo mudará radicalmente. Mas é
necessário cair a ficha. Desliguem seus televisores, exijam que as
coisas, ideias, pessoas sejam livres. Resgate o futebol para o povo,
resgatem as praças para o povo, resgatem o dinheiro público para o
povo, resgatem as instituições para o povo. Resgatem o governo, a TV,
os jornais e rádios, resgatem a polícia e o exército; resgatem a cidade
e as praças; resgatem a solidariedade e o amor; resgatem o carinho e o
sexo; resgatem a natureza; resgatem as palavras seqüestradas: a
palavra liberdade não pertence aos poucos que a seqüestraram. Escrevam o
português à moda antiga, ou de um novo jeito. Ninguém é dono das
palavras que você fala. Acredite na liberdade de um mundo sem dono, sem
podres poderes. Libertem a palavra esperança do cárcere, lugar onde
tantos de nós se encontram. Como diria Caetano:
“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”.
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”.
[1] Professor da UFMG e da PUCMINAS, Mestre e doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Professor do programa de mestrado da Faculdade de Direito do Sul de Minas. É pesquisador do Instituto de Investigações Jurídicas da Universidade Autônoma do México e professor convidado do doutorado da Universidade de Buenos Aires. E-mail: ceede@uol.com.br
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